As ferrovias no transporte de cargas brasileiro
Foto: Amauri Aparecido Zardeto.
Muito se tem debatido sobre as condições para o crescimento do modal ferroviário no Brasil, notadamente com relação a três aspectos distintos: necessidade de maior inserção do modal em cargas consideradas não dependentes (carga geral e granéis líquidos); aumento da oferta de serviços para atendimento da demanda reprimida; e necessidade do crescimento da extensão da rede, haja vista as dimensões continentais do país e o deslocamento das fronteiras de produção.
O sistema ferroviário de carga brasileiro conta com a nona rede mais extensa do mundo, com 29.817 km (UIC, 2014) e a sexta maior em produção, com 307 bilhões de TKU (tonelada.quilômetro útil) em 2015. Por outro lado, apresenta indicadores de desempenho, como produtividade (TKU/km) e densidade da rede (km/km²), bastante distintos dos pares mundiais. O mesmo acontece com a inserção do transporte ferroviário na matriz de transportes brasileira, atualmente de 14,9% (EPL, 2016), ao passo que o modal share ferroviário de países com dimensão continental é, em média, de 48%, ou seja, três vezes maior que o brasileiro.
Maior inserção de carga geral no modal ferroviário
Uma transformação que aproxime a participação da ferrovia na matriz de transporte de cargas ao benchmark internacional não se dará sem o ingresso significativo da carga geral na ferrovia, já que o processo de inserção econômica das commodities agrícolas e minerais no setor ferroviário já aconteceu, ou está fase de atendimento.
A título ilustrativo, caso cerca de um terço dos deslocamentos internos de carga geral (1.292 bilhões de TKU) migrem do modal rodoviário para o ferroviário, com efeitos positivos no custo das operações de transporte de diversos agentes econômicos (indústria, varejo, serviços) e na emissão global de GEEs na indústria de transporte (que é forte emissora), a participação da ferrovia na matriz modal brasileira duplicaria, passando dos atuais 15% para 30%.
Marco regulatório
As ferrovias estão regulamentadas com base em um monopólio regional verticalizado, com baixa competição intramodal. O concessionário é o responsável pelo investimento na manutenção e aumento de capacidade da rede concedida e também o único operador, tendo prioridade no acesso ao mercado atendido pela rede concedida.
A base para a transformação desse modelo regulatório é o direito de passagem, instituto previsto na legislação setorial, mas ainda pouco utilizado, que representa a possibilidade de poder trafegar na via de outra concessionária, mediante pagamento de preço negociado entre as partes para a passagem de uma composição, representado pelo custo fixo, variável, de arrendamento e de remuneração do capital necessário à prestação do serviço.
A legislação que regula a prorrogação e a relicitação dos contratos de concessão vigentes, com base na Lei 13.448/2017, indica que o momento é propício para essa reorientação, já que em seu bojo estabelece diretrizes para as condições de crescimento do setor para os próximos trinta anos. Assim, reservar parte da oferta ferroviária para uso de terceiros (como o operador ferroviário independente) através de direito de passagem (de 20 a 30% da capacidade instalada, conforme a perspectiva de demanda do trecho) a novos serviços e negócios não explorados na malha brasileira poderia ser o início desse processo.
O conteúdo deste texto foi extraído e adaptado da versão preliminar do capítulo Logística, dos autores Dalmo Marchetti, Edson Dalto, Guilherme Guimarães Martins e Luiza Almeida Curado, parte da publicação Visão 2035: Brasil, país desenvolvido.
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