O que é manufatura avançada ou “indústria 4.0”?
Tradicionalmente, a literatura especializada enfatiza que o mundo está diante de uma nova revolução industrial, supostamente em curso e em ritmo mais rápido que as anteriores. Essa revolução se configuraria como uma nova era em que a grande protagonista é a internet contribuindo para a convergência de diversas tecnologias, agora sendo introduzida na indústria e adaptada às máquinas e equipamentos.
Os elementos fundamentais seriam a fusão do mundo virtual e real; a utilização de sistemas ciberfísicos (unidades de produção com representação virtual, permitindo maiores níveis de automação); e a flexibilidade da cadeia produtiva com informação disponível em tempo real para fornecedores e clientes.1
Uma implicação relevante seria que, à medida que a base digital é incorporada ao chão de fábrica, torna-se possível que a produção se dê de forma mais individualizada e flexível e também menos intensiva em trabalho (com utilização de novos materiais e de novos processos e com o uso mais disseminado de robôs). Assim, a manufatura deixa de ser de massa e torna-se mais customizada. Costuma-se, ainda, exaltar os benefícios quanto ao emprego e à produtividade, na medida em que as novas técnicas produtivas serão mais automatizadas e irão requerer trabalhadores mais qualificados.2
Essa interpretação insere-se na discussão mais ampla sobre o futuro da atividade manufatureira. Podem ser apontados como trabalhos representativos o relatório publicado em 2012 pela McKinsey, denominado Manufacturing the future: the next era of global growth and innovation, e o artigo de 2015 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD), intitulado Enabling the next production revolution: issues paper.
Ambos procuram situar o processo de transformação da atividade manufatureira em um contexto de mudanças na economia global, destacando os condicionantes impostos pelas mudanças em curso e suas implicações para as economias avançadas, bem como suas consequências para a atividade manufatureira. O relatório da McKinsey anuncia a chegada de “an exciting new era of global manufacturing (…) – driven by shifts in demand and by innovations in materials, processes, information technology and operations”.
De forma um pouco mais cautelosa, a OECD aponta a mesma direção:
There is a growing debate that the world is on the brink of similar industrial revolution(s) and a reshuffling of production will take place in the next 10 to 15 years. It is argued that a number of cutting-edge technologies like nanotechnology, biotechnology, ICT, etc. will provide (partial) solutions for the challenges created by global megatrends in demographics, globalisation and sustainability.
A apresentação convencional, tal qual a do relatório da McKinsey, identifica, corretamente, a presença de uma série de tendências globais e tem o mérito de reafirmar a importância da indústria para o desenvolvimento de longo prazo. Contudo, parece equivocada, entre outras coisas, ao interpretar a forma pela qual as nações se posicionam e absorvem o progresso tecnológico. A visão subjacente parte da ideia de que o avanço tecnológico ocorre exogenamente, como se houvesse um “bazar” – na expressão utilizada no texto The pathological export boom and the bazaar effect: how to solve the German puzzle para descrever o posicionamento da indústria alemã dentro da Europa – de tecnologias disponíveis e que bastaria que as firmas optassem pela forma de incorporá-las a seus processos produtivos.
O progresso tecnológico se incorpora a produtos e processos específicos e/ou para resolver desafios específicos. Deve-se ter clareza de que o processo de incorporação está longe de ser algo espontâneo; são estimulados por políticas que conjugam demanda efetiva com instrumentos de apoio ao desenvolvimento científico e tecnológico. É preciso atentar para o fato de que as experiências existentes de programas em manufatura avançada têm origem em países desenvolvidos e configuram-se como estratégias que ganharam força a partir de 2010-2011, sobretudo nos Estados Unidos e na Alemanha. Essas estratégias ainda não foram plenamente implantadas ou tiveram seus efeitos sentidos e abarcam áreas a serem desenvolvidas em um prazo de pelo menos 15 a vinte anos.
1 Ver The fourth industrial revolution, de Klaus Schwab. Ademais, a revista britânica The Economist tornou-se referência ao produzir uma matéria especial sobre a nova revolução e algumas de suas implicações, intitulada A third industrial revolution. Special report: manufacturing and innovation.
2 Essa visão prevalece, muito embora haja uma longa controvérsia na literatura econômica sobre a relação entre tecnologia e emprego. Recentemente, o estudo The future of employment: how susceptible are jobs to computerisation?, dos autores Carl Benedikt Frey e Michael A. Osborne, apontou um alto potencial de geração de desemprego.
Este texto foi feito com base em artigo publicado no BNDES Setorial 44, intitulado Reflexões críticas a partir das experiências dos Estados Unidos e da Alemanha em manufatura avançada, pelos empregados do BNDES Gabriel Daudt e Luiz Daniel Willcox.