Desafios da mineração: desenvolvimento e inovação para redução dos impactos ambientais e sociais
Os setores de mineração e de metais enfrentam atualmente um período de grandes desafios, principalmente no que se refere ao desenvolvimento e à adoção de novas tecnologias para redução dos impactos ambientais e sociais causados pela mineração e metalurgia.
Dentre os principais movimentos estruturais a afetar o setor, destacam-se a agenda de promoção de maior sustentabilidade socioambiental e o desenvolvimento de um conjunto de novas tecnologias.
As atividades de mineração e metalurgia são, reconhecidamente, de elevado impacto ambiental. No caso da mineração, o enorme tamanho de algumas operações, a quantidade de carga movimentada e os rejeitos gerados têm representado riscos para diversas regiões e populações, eventualmente afetadas por acidentes e mecanismos ineficientes de deposição e monitoramento. Já a metalurgia é um dos setores mais intensivos em energia e emissões de gases de efeito estufa (GEE), sendo alvo direto das ações de preservação do clima em todo o mundo. Ambos os setores também são grandes consumidores de água.
Esse conjunto de desafios oferece oportunidades para as empresas desses setores, que deverão ser capazes de atender aos requisitos de sustentabilidade impostos e desenvolver operações cada vez mais eficientes. Nesse contexto, há uma tendência para a elevação do conteúdo tecnológico nesses setores, reconhecidos, tradicionalmente, como de baixa intensidade tecnológica.
Novas tecnologias estão sendo adotadas para otimização, controle e automação de operações e viabilização de novos empreendimentos de lavra e transformação mineral. Tecnologias como big data, impressão 3D e novos materiais têm permitido uma redução expressiva do ciclo de desenvolvimento de novos produtos.
Desafios atuais da mineração e da metalurgia
A pressão por maior sustentabilidade e inovação são alguns dos principais fatores a orientar as estratégias das empresas e a dinâmica de mercado nos próximos anos.
Esforços tecnológicos têm sido feitos para reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE). Fontes de energia renováveis, a exemplo da eólica, da biomassa e da energia solar, têm sido mais exploradas, fazendo com que o custo relativo de geração energética de tais fontes venha sendo reduzido nos últimos anos. Ainda que, no cômputo geral, o custo da adoção de processos mais sustentáveis seja alto, eles começam a ser cada vez mais empregados pelas empresas, para redução do impacto sobre o meio ambiente. Em certa medida, observa-se que a ótica econômica vem sendo influenciada pelas questões de sustentabilidade. Dada a urgência do problema, a tendência é que o ritmo de inovação acerca do tema seja cada vez maior.
Tendências tecnológicas e de inovação para mineração e metais
A criação e a difusão de novas tecnologias com maior transversalidade e aplicação têm promovido importantes mudanças nos setores de mineração e metais, tradicionalmente menos intensivos em tecnologia e conhecimento. No cenário atual de difusão das tecnologias de big data, internet das coisas, manufatura aditiva e novos materiais, esforços vêm sendo empregados em inovação e desenvolvimento de sistemas e processos mais eficientes de produção. Esses esforços tem como referência o conceito alemão industrie 4.0 e o norte-americano smart manufacturing (manufatura inteligente). A chamada indústria 4.0 faz referência ao que seria uma quarta revolução industrial, baseada principalmente na digitalização e na interconectividade dos sistemas e elos das cadeias de desenvolvimento e produção. Esse conceito é amplamente aplicado na manufatura avançada, mas vem se fazendo cada vez mais presente no setor de serviços e na concepção de cidades inteligentes.
De forma semelhante, esse desenvolvimento envolve maior aprofundamento e transversalidade da aplicação de tecnologias de informação e comunicação (TICs), ampliando a interconectividade para as diversas etapas de produção e fornecimento. O objetivo é a criação de mecanismos que permitam controle ótimo integrado dos diversos processos, parâmetros e insumos ao longo das cadeias de produção.
As principais áreas de pesquisa em manufatura avançada estão relacionadas a sensores e monitoramento, incluindo novos métodos de mensuração de dados a baixo custo, análise de processos em tempo real e integração com tecnologias de controle; sistemas de controle e automação, com integração rápida entre os diversos mecanismos de produção e negócios, e modelos de simulação; sistemas digitais para simulação e visualização 3D, capazes de permitir design de produto e definição de métodos de produção; além de plataformas digitais, padrões e protocolos de comunicação para suporte a esse fluxo e integração de dados, compartilhados entre sistemas digitais e reais.
A identificação de oportunidades de aplicação desses conceitos e adoção dessas tecnologias é parte dos esforços de desenvolvimento observados atualmente. Os setores de mineração e metais apresentam grandes oportunidades para ganhos de produtividade e eficiência, principalmente no que se refere à necessidade de redução de riscos e os impactos socioambientais.
Inovação e redução dos impactos ambientais causados pela mineração
A agenda do setor de mineração deverá contemplar principalmente soluções para minimizar o volume de material movimentado da mina e de efluentes não aproveitados; o consumo de água; os riscos decorrentes dos processos de beneficiamento e da deposição de rejeitos; e os impactos da mina; além de aumentar os níveis de benefícios e satisfação social decorrentes das operações mineiras, com processos de fechamento de mina e de reabilitação de áreas degradadas.
O acidente de elevadas proporções ocorrido no município de Mariana (MG), em novembro de 2015, chama a atenção para o risco de rompimento de barragens de rejeitos, presentes na maioria dos empreendimentos de mineração. Essa fatalidade corrobora o sentimento de urgência em se promover uma mineração mais segura e sustentável. A agenda da sustentabilidade na mineração está pressionada também por outros fatores, como a redução do teor de concentração dos minérios lavrados, o aumento do volume de material movimentado – incluindo os impactos decorrentes dessa movimentação –, e as frequentes crises hídricas enfrentadas em diversas regiões do país, o que sempre impõe restrições à atividade de exploração mineral.
Nesse sentido, o setor vive um ciclo de investimentos em pesquisa, desenvolvimento e difusão de tecnologias e processos, com foco no aumento da recuperação dos minérios de interesse e no aproveitamento e aglomeração de finos e ultrafinos; na recuperação e reaproveitamento de resíduos e elementos dispersos, incluindo processos para destinação alternativa de uso; em tecnologias de baixo risco ambiental para deposição de resíduos; na recuperação e reutilização da água empregada nos processos, ou mesmo na redução ou eliminação da necessidade de uso dessa água; e no monitoramento e controle de barragens e riscos ambientais.
A definição de parâmetros mais rígidos de segurança para a construção de novas barragens já é uma realidade em novos licenciamentos ambientais concedidos no Canadá.
Novas tecnologias e inovações aplicadas a operações sustentáveis
A eliminação do uso de barragens continua a ser um dos mais importantes desafios para a mineração sustentável. Pesquisadores e engenheiros têm trabalhado no desenvolvimento de processos de concentração sem adição de água e de processos alternativos de deposição de rejeitos. Exemplos bem-sucedidos são o processo de beneficiamento à umidade natural do projeto Ferro Carajás S11D, da Vale S.A. (veja detalhes sobre o projeto no box abaixo), e o método de deposição a seco utilizado na mina de Karara, na Austrália. Outra inovação para deposição a seco de rejeitos foi uma centrífuga decantadora desenvolvida pela empresa Alfa Laval para a mina de carvão Rix’s Creek, localizada no Hunter Valley, uma das regiões de maior produção de carvão na Austrália.
Os investimentos para redução de riscos relacionados a barragens envolvem ainda a utilização de softwares de monitoramento de imagens das superfícies de barragens, a fim de identificar e alertar acerca de eventuais movimentos irregulares.
Uma outra linha de desenvolvimento se refere à exposição dos rejeitos da mineração ao intemperismo, ocasionando um sério problema ambiental, a drenagem ácida de mina (DAM). Esse processo provoca a contaminação do solo e dos recursos hídricos pela liberação de metais e outras substâncias em quantidade considerável. O problema pode se agravar quando as atividades de mineração são realizadas em locais com minerais sulfetados, que, sujeitos à ação de certas bactérias, transformam-se em ácido sulfúrico, causando a solubilização dos minérios e o respectivo aumento da contaminação. Visando à mitigação desse problema, pesquisas biotecnológicas vêm sendo desenvolvidas, com ênfase no uso de bactérias endógenas específicas, as chamadas bactérias mineradoras, para a oxidação dos minerais sulfetados presentes nos rejeitos, de forma acelerada, controlada e segura, diminuindo o impacto da DAM.
Nessa linha, o processo conhecido como biolixiviação consiste em empilhar os rejeitos sobre uma estrutura impermeável e recircular sobre ela uma solução que promova o crescimento de um tipo específico de bactéria, produzindo uma solução ácida e oxidante, chamada de lixívia. A lixívia é continuamente recirculada pela pilha, promovendo o enriquecimento de metais solúveis que podem ser posteriormente recuperados, aumentando, assim, a eficiência do processo mineral.
Outra abordagem de pesquisa, ainda em fase experimental, é a da reciclagem de rejeitos. Pesquisadores da Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) já detêm tecnologia para transformação de rejeitos e estéreis da minerações de ferro, bauxita, fosfato e calcário em diversos produtos, como cimento – para construção de blocos, vigas, passeios, estradas –, areia – que pode alimentar a indústria de vidros e de chips de computador – e pigmentos, insumo para a produção de tintas.
Redução da emissões de gases de efeito estufa e do consumo de energia na metalurgia
A transformação mineral dos metálicos, em geral, parte de um óxido que passará por processo de oxirredução (reação que libera grande quantidade de CO2), para a obtenção do metal primário. Isso faz com que o setor metalúrgico seja um dos maiores emissores industriais de GEE.
Dado o caráter intensivo em energia e emissões (com mais de 80% do volume de emissões advindo do consumo de insumos energéticos), os maiores esforços para a promoção de sustentabilidade na metalurgia estão relacionados justamente à redução do consumo e à recuperação de energia e de gases dos processos de produção.
Na metalurgia, há oportunidades de recuperação de gases ou calor de processo em todas as etapas de produção. Além disso, o aprimoramento das tecnologias de produção tem gerado oportunidades relacionadas também à alimentação de fornos e ao controle e à automação dos fluxos de insumos e produtos, com o objetivo também de prover maior continuidade e integração dos processos e evitar perdas energéticas entre as etapas produtivas.
Alguns exemplos de tecnologias e processos promotores de eficiência energética são: (i) tecnologia de heat recovery (recuperação/ aproveitamento de calor) nas diversas etapas de produção; (ii) sistemas para controle em tempo real de variáveis dos processos, como a temperatura; (iii) aproveitamento de gases de processos; e (iv) novas tecnologias que promovam redução significativa do consumo de energia em fornos elétricos e em processos eletrolíticos, incluindo os respectivos sistemas de automação e controle.
No âmbito de grandes projetos de mineração e metalurgia, a agenda de sustentabilidade social também ganha importância, na medida em que essas operações impactam a rotina e a qualidade de vida das populações do entorno. A mineração sustentável deve ser capaz de prover benefícios às populações afetadas pelas atividades de lavra e beneficiamento dos minérios, que envolvem, em geral, a transformação de grandes áreas e a intensa movimentação de carga.
Com essa finalidade, as empresas devem procurar investir em projetos capazes de envolver a população local em atividades promotoras de emprego e renda alavancadas pelas operações mineiras. Nesse ponto, a inovação também desempenha importante papel, ao viabilizar, por exemplo, atividades produtivas com participação da população local para transformação de material originalmente descartado em coprodutos, bem como a reabilitação plena de áreas mineradas para uso em agricultura.
Outros eixos de desenvolvimento e inovação tecnológicos
Entre as maiores mineradoras do mundo, a Vale, a Rio Tinto, a BHP e a Fortescue Metals estão avançando na adoção de sistemas de automação e controle. No que se refere a movimentação de carga, a Vale implantou o uso exclusivo de correias transportadoras na operação Ferro Carajás S11D (ver box abaixo), eliminando a necessidade de caminhões (truckless) e reduzindo drásticamente as emissões de gases pela queima de óleo diesel (combustível).
No setor de metais, o avanço em tecnologias de sensoriamento inteligente, automação e controle de parâmetros e fluxos de insumos nos processos metalúrgicos oferece uma ampla gama de oportunidades de elevação da produtividade das plantas e da qualidade dos produtos.
Outro importante vetor de sustentabilidade ambiental na metalurgia está relacionado ao conceito de ciclo de vida de produto e ao desenvolvimento de novos materiais que promovam maior eficiência energética e redução de emissões na produção de outros bens por cadeias industriais consumidoras de metais.
O desenvolvimento de novos materiais representa uma grande oportunidade de geração de valor para toda a cadeia de mineração e metais. Novos materiais, com propriedades superiores a materiais usualmente empregados, criam um conjunto de possibilidades de aplicação e novos desenvolvimentos associados.
Assista ao vídeo abaixo para conhecer de perto o projeto.
Este post foi elaborado a partir de trechos do artigo Desenvolvimento e inovação em mineraçao e metais, de autoria de Pedro Paulo Dias Mesquita, Pedro Sérgio Landim de Carvalho e Laura Duarte Ogando, publicado no BNDES Setorial 43.
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